domingo, 29 de maio de 2011
sábado, 28 de maio de 2011
sábado, 21 de maio de 2011
ALFABETIZAR SEGUNDO FREIRE
Trecho do livro "Paulo Freire para educadores" de Vera Barreto
Certa vez uma alfabetizadora fez a Paulo Freire a pergunta com que começamos este capítulo. Paulo, de uma forma simples e objetiva, respondeu com uma carta, de onde retiramos o trecho abaixo É bom começar chamando a atenção para o poder que têm as perguntas de provocar a gente. Veja bem, agora mesmo, ao me preparar para iniciar a minha resposta à pergunta, me vejo obrigado a pensar, a ficar olhando o papel em que repeti sua pergunta: “Para que alfabetizar?”
Ao ficar assim aparentemente parado, pensando, percebo que, para responder à sua pergunta, devo entender a relação que ela tem com outras perguntas que, embora não tenham sido pronunciadas, se acham presentes. Assim, o para que alfabetizar? Tem que ver com o que é alfabetizar? Como alfabetizar? Quando? Por que? etc.
Para que? É a pergunta que a gente faz quando a curiosidade da gente se assanha para saber a finalidade da ação ou da coisa de que a gente está falando. A gente pergunta o que é? Quando quer saber ou compreender o que é que faz que pedra seja pedra e não pau; que flor seja flor e não passarinho.
Como? É a pergunta que a gente faz pra saber os caminhos que a gente percorre, os métodos que a gente usa pra obter o que se pretende.
Por que? é a indagação pela qual a gente procura a razão de ser, a causa das coisas, e quando? Tem que ver com o tempo delas.
É interessante observar como há uma certa solidariedade entre as diferentes perguntas, não importa qual seja aquela pela qual começamos a indagar da coisa ou da ação.
Agora, quando você me pergunta para que alfabetizar?, me sinto levado a dizer algo sobre o que é alfabetizar. Para fazer isso vou tentar um caminho simples e muito concreto. Veja bem, neste momento, tenho algo na minha mão. Pego a coisa que tenho nos dedos, apalpo-a, sinto-a. Ganho a sensibilidade da coisa, percebo-a, falo o nome da coisa e escrevo o nome da coisa. Assim sinto a caneta nos dedos, percebo a caneta, pronuncio o nome caneta e depois escrevo ca – ne – ta.
O mesmo, quase, se dá quando falamos palavras abstratas, só que não pegamos a significação delas. Eu não pego a saudade do Recife com as mãos. Eu sinto a saudade inteira no meu corpo. Eu falo e escrevo saudade.
Veja, a pessoa chamada analfabeta, que não sabe ler nem escrever, sente como nós, a coisa, pegando-a ou não, percebe e fala, só não escreve, portanto não lê também. Alfabetizar, num sentido bem direto, é possibilitar que as pessoas a quem falta o domínio desta operação criem este domínio. Por mais importante — e é muito importante — o papel da educadora ou do educador na montagem deste domínio, o educador não pode fazer isto em lugar do alfabetizando. A alfabetização é um ato de criação de que fazem parte o alfabetizando e o educador. O educador é fundamental. Ele tem mesmo que ensinar desde porém que jamais anule o esforço criador do alfabetizando.
É interessante observar como não podemos falar de analfabetismo em culturas que desconhecem o alfabeto, as letras. Numa cultura iletrada não há analfabetos. O “analfabeto — e isto me foi dito há mais de vinte anos por um culto alfabetizando, num Círculo de Cultura – é a pessoa que, vivendo numa cultura que conhece as letras, não sabe ler nem escrever.”
Para que alfabetizar? Numa primeira aproximação ao problema e seguindo aquele alfabetizando nordestino a quem me referi acima, poderia dizer a você: para que as pessoas que vivem numa cultura que conhece as letras não continuem roubadas de um direito — o de somar à “leitura” que já fazem do mundo a leitura da palavra, que ainda não fazem.
PAULO REGLUS NEVES FREIRE
BARRETO, Vera. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte & Ciência, 1998.
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